domingo, 13 de junho de 2010

João Concha

pés descalços na cozinha da avó (que ainda era viva), preto-branco, frio no Verão, e um telefonema pendurado na expectativa.
"wait a minute. you come into my house, my party, to tell me about the future?"
a viagem era o milagre de não ter sítio para onde ir. acreditava eu que seria, que queria ser, cineasta. fazer filmes mesmo ...and the nights between.
as coisas não tinham mapa nem tinham que ter. sabia muito mais.
donnie darko. jackie brown. boogie nights.
e o desenho era um vício.
tínhamos ganho o prémio. viagem de amigos ao outro lado do mundo onde ainda morria o império a fingir que era nosso. península e duas ilhas.
geografia manipulada, mapas. filmes acreditava eu.
'I am 16 going on 17'
97 era redondo e novo. umas gárgulas que alguém emoldurou.
a morte sabia-me distraído. ela ficou. alguns morreram. umas coisas de que não me lembro. um ano para a mudança. etc.
estava longe.
uma língua a ensinar o truque (que eu já sabia) e um tempo em que estava realmente feliz. funny games.
ria muito, quase tanto como agora. não sabia nada.
posters e quartos e Beck e exames e amor e desenhos.
"He's my 17-year-old piece of gold."
não havia muito mais ou então não me lembro. a invenção toma conta das datas.
lembro-me da viagem, de como estava em casa. a oriente. de como era importante. um tufão (a sério).
e não pensava no futuro.
"this here's the future. videotape tells the truth."
1997 começava pelo fim, pela memória estragada de um ano como não poderia haver mais.
97 eram os acasos que (só) cabiam todos nesse número.



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João Concha

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sérgio Ferreira Mendes

Ponho o meu 1997 como uma personificação. Uma moça de vestido longo e xadrez preto-e-branco. Foi o ano em que entrei no colégio técnico cujo prédio hoje, é quase-centenário. Tinha seus longos corredores revestidos de ladrilhos hidráulicos pretos e brancos alternando-se a formar um extensíssimo tabuleiro de xadrez; pode ser que tenha sido um ano chave. Nele, livrei-me do fantasma agourento que tinha sido o ginásio, apagando o passado como se nunca houvera (erro, pois o passado jamais se apaga e reaparece nos momentos menos desejáveis).

Ano em que conheci gente nova e dela ainda carrego parte comigo. Tive um professor de Desenho técnico que fedia cigarro e naquele tempo feliz ainda se podia fumar nos corredores. Ano cansado de, pela primeira vez na vida, acordar antes do sol e pegar condução; afinal, valia a pena, era um colégio técnico; de dormir em colchonetes durante a aula de Educação Física enquanto os rapazes matavam-se por uma bola de futebol. Tempo de acostumar-se à sisudez neoclássica do prédio, aos seus espaços amplos, ao pé-direito titânico e aos janelões sem cortina que valeram meio corpo queimado de sol. O inverno particularmente frio, o homem que aparecia no ônibus pela manhã, sempre imerso na própria fedentina, o cobrador que me acordava quando o ônibus chegava ao ponto final.

Pelo meio do ano apareceu-me um amor platônico que duraria três anos e meio e se visse a moça hoje, talvez não a reconhecesse porque a memória nos traí e ela continua com a mesma face de há tantos anos. E com um longo vestido xadrez.

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Sérgio Ferreira Mendes

Hugo Lima

SOBRE UM ANTIGO POEMA DE ABRIL


chovia
e, sobre o papel, as palavras dançavam.
era 1997 e
eu mal conseguia escrever.

o fato é que a gente escreve sobre o tempo
sem se dar conta do que é o tempo
e tudo fica tão complexo quanto.

mas eu me lembro bem.
eu ainda tinha pai, mãe, irmãos,
tios, avós, primos,
passarinhos na gaiola e
caixinha de brinquedos.
de todos os anos, eu só tinha 10
e me inventava o tempo todo
e me esquecia logo depois
e eu queria ser o grande herói da ciência
e já colecionava quadros negros
e já brincava de escolinha.

verdade é que os anos escolares iniciaram-se praticamente ali.
eu acordava de repente e “pluft”: me entendia por gente.
e era assim todas as manhãs,
um personagem pra cada dia.


///


naquele tempo, eu me disfarçava sob longos cabelos castanhos
tão encaracolados quanto os que o Roberto cantou
e debaixo dos caracóis, mais de mil histórias,
mais de mil segredos,
quase nenhum amor.


eu mal podia esperar pelos anos seguintes.
nada era vindouro. tudo era aqui e agora.
tinha desejos de menino, vontades de menina
e um vinil do Caetano.

eu falei da infância porque a vida ainda não fazia sentido.
é meio como as palavras: só fazem sentido com o tempo.

o fato é que a gente fala sobre a infância
sem se dar conta do que é a infância
e tudo fica tão complexo quanto.


///


em 1997 eu li Monteiro Lobato,
visitei – pela primeira vez – um sítio,
me perdi no pomar
(mas me lembro bem do cheiro do laranjal)
eu brincava com a terra
e a terra brincava com meu corpo
como se tudo fosse uma matéria só
(e ao mesmo tempo não fosse)
toquei bananeiras, subi nas mangueiras
palmeiras gigantes
aves que aqui gorjeiam
o canto de um Sabiá
um rio cortando a alma
atravessando o jardim.

era tarde, em 1997 eu descobri o quintal
e dali eu desenhava o céu.

não sei se ainda chovia,
mas era abril.

tinha nuvens
e um aquário cheio de peixes
e um peixe cheio de asas
e uma casa maior que o mundo.

a verdade é que a gente conta os sonhos
sem se dar conta do que é um sonho
e tudo fica tão complexo quanto.

era 1997
e eu me deitava na grama.
pensava nos barquinhos de papel
pensava nas palavras dançando na chuva
pensava no poema tomando (o) corpo
e as pipas coloridas ao longe
deixavam o céu como eu ainda vejo hoje.

a propósito, uma rosa é uma rosa
é uma cor é um azul é pau é pedra
é o fim do caminho...

///


voltando pra casa,
pensava no que contar quando voltassem as aulas,
pensava no que escrever quando me inventassem as linhas.
“eu não sou Deus e não escrevo torto.”

foi assim que comecei a história.

o fato é que a gente lembra da história
sem se dar conta do que é a história
e tudo fica tão complexo quanto.

não sei, só sei que foi assim. fim que foi.
aqui, o ano se acabou.
aqui, o ano acabado.
aqui o ano acaba.

era abril,
em 1997.

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Hugo Lima

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Flavio

1997 foi para mim o ano da abertura.

Até então eu era só um menino. Era um menino feliz, diga-se, feliz e interessado pelas coisas, confortado por um núcleo familiar sólido. Não conhecia a tristeza e tampouco conhecia sua irmã menor, a melancolia.

Mas foi o ano da abertura porque, olhando para o começo e o fim de 1997, isso se revela.

Na primeira hora de 1997 fiz algo que nunca havia feito e nunca mais fiz. Estava em Punta del Este com meus pais, apenas nós três. Jantamos e depois voltamos ao hotel, eles foram dormir, eu me recolhi em meu quarto. Pensei, resignado, que era 1h da manhã e eu já estava de volta ao quarto, enquanto o mundo comemorava a virada. Então escrevi em um pedaço de papel, "1 de janeiro de 1997 - 01h00", fui à frente do espelho e tirei uma foto, sorrindo, ostentando a folha em frente a mim.

Lá para novembro, fumei maconha. Foi um divisor de águas, sem dúvida. Se bem me lembro, nunca havia sequer ficado bêbado. Meus amigos mais próximos tinham começado a fumar maconha no início do ano, e para mim aquilo era estranho, então eu não comecei junto com eles. Quando resolvi que queria mesmo experimentar, já estava livre dos meus próprios estranhamentos e preconceitos. Então topei o convite para um encontro no apartamento de um amigo, seus pais estavam viajando. Ao chegar lá, todos já haviam fumado e estavam encenando uma peça, ou coisa do tipo. Me falaram que, como era minha primeira vez, não deveria esperar muita coisa. A tendência era que nada acontecesse. Mas eu estava tão determinando que peguei um baseado só para mim (estava já pronto, enrolado em seda roxa). Os amigos foram à cozinha e eu, na sala, comecei a fumar. E fumei, fumei, fumei, fumei, fumei. Quando eles voltaram, perguntaram se eu estava sentindo alguma coisa, aí então eu disse "não sei" e, logo em seguida, plim. Desatei a rir.

Naquele exato instante começou muita coisa. Durante toda a noite e madrugada vivi coisas incríveis, acessei lugares da minha infância remota, percebi meu corpo de outra forma, perdi deliciosamente a noção de tempo, rolei, dancei, escutei música como nunca antes, dei muita risada. Percebi ali que as portas do mistério se abriam para mim. Tudo era mais do que parecia, tudo era amplo e rico, cheio de novidades. Começou ali uma nova fase da vida, o gosto pelo indefinido, pelo incerto, pelo devaneio. Começou ali meu verdadeiro apreço pela liberdade.

No final do ano de 1997 viajei para a Inglaterra, para um intercâmbio de 3 meses. No dia 31 de dezembro estava cercado de amigos recém-conhecidos, mergulhado na avenida principal de Paris, entregue à vida. Não era mais apenas um menino, embora ainda fosse feliz e interessado pelas coisas. A tristeza e sua irmã menor, a melancolia, só fui conhecer muitos anos depois. Assim como sua irmã maior, a paixão, todas filhas da liberdade.

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domingo, 6 de junho de 2010

júlia hansen

adendo importante ao meu 1997, lá está no primeiro post deste blogue, mas não posso lembrando não dizer que tinha até coreografia pra essa c'oas amiga. e considerava a letra cheia de ditos, muitas sabedorias.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Bruno de Abreu



(baby, por gal costa)


pés

lembrar das noites frias nos pés descalços
- a meia na gaveta, os tacos ameaçando
estrepes. lembrar
da porta de correr
da varanda refletindo a cidade
em constelação
nos móveis da sala
e de djavan toda manhã
pedindo a são jorge o dragão
até enjoar
não conhecia
a carolina, nem sabia
o que se entende por uma
honey baby
barriga no chão pra desenhar qualquer
abstração do que já entendia sobre estar
vivo. os sulfites preenchidos
em tempo recorde
até que a barriga doesse de tanto desenho, cor-de-rosa
de tanto chão
então vinha a fome, e eu lavava as mãos
com um sorriso no rosto

Em 97 eu tinha quatro anos. Lembro que minha mãe gostava muito de gal costa, zizi possi e djavan, e era música o dia inteiro, o que enchia o saco às vezes. Na época, porém, encher o saco era algo tolerável. Nas minhas manhãs e noites - à tarde tinha escola - eu ficava rabiscando papéis no chão, brincando de power rangers, fazendo shows de música pra lá de agitados com meu pai, realizando mágicas com canudos, ganhando medalhas etc etc etc. Além disso, eu me escandalizava um pouco com pessoas que confundiam tigres com onças. Tive várias paixões.

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Bruno de Abreu

terça-feira, 1 de junho de 2010

Felipe Arruda

me apaixonei pela primeira vez em 1997.

e eu cantava um versinho bobo pensando nela,

I had a match
but she had a lighter
I had a flame
but she had a fire
I was bright
but she was much brighter

I has high
but she was the sky...

(Cake)


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Felipe Arruda